Crianças e Mídia em Três Documentários Imprecisos e Marqueteiros

Uma breve análise dos documentários que estão em alta na esfera do jornalismo tendencioso e dos movimentos pró-crime.  


Olha a Faca! Disse ele, ao destrinchar o boneco do Fofão


Isabella Nardoni - Netflix 

A Netflix disponibilizou o documentário sobre o caso da menina Isabella Nardoni.   O roteiro forma um caleidoscópio, explorando vários ângulos para dar ao mais distraído espectador o bom e velho tom de imparcialidade.  

De maneira sóbria, explora o depoimento da mãe, da avó, do avô, da prima da menina Isabella,  e temos ali uma família com a marca inevitável de uma ausência,  com uma serenidade, que sabemos, foi sustentada pela sua fé. Lembro que na época houve um acompanhamento próximo do Padre Marcelo Rossi e  do bispo Dom Fernando Figueiredo, mas certamente foi necessário omitir esse fato, afinal, a mídia é laica. 

Outro ângulo é o da ação jurídica  no caso, a fama do promotor, os advogados de defesa e suas estratégias. Também, claro, a mídia e a comoção popular, a exploração da imagem, da situação, o circo midiático, inclusive incentivado pelos atores jurídicos, todos eles, sem exceção. 

Quanto ao casal Alexandre Nardoni e Ana Jatobá, o documentário torna-os mais próximos e humanizados do que gostaríamos. Sim, a audiência tem  suas preferências, e a fragilidade das afirmações dos dois na fatídica entrevista no programa Fantástico, da Rede Globo, foi um desastre para qualquer estratégia da defesa, sem dúvida.  A partir disso, a  sequência de narrativas que vai minar as possibilidades de alguém ter qualquer certeza sobre a autoria do crime é avassaladora.  Membros de Institutos Jurídicos, como o tal Instituto de Defesa do Direito de Defesa,  e advogados de defesa agem claramente com a intenção de nos deixar a impressão de que estamos diante de um ato de injustiça, e que os condenados são vítimas da pressa jurídica e da comoção popular. 


Xuxa Meneghel - Globo Play  

O segundo documentário foi a biografia de Xuxa Meneghel, que dispensa apresentações. É focado na carreira da apresentadora que, de fato, foi um fenômeno midiático. Xuxa substituiu os queridinhos do Balão Mágico nos anos 80 e teve uma carreira de grande sucesso e grande retorno financeiro. 

Chama a  atenção todo o trabalho  desenvolvido em torno do seu evidente carisma, demonstrando que só o carisma não era suficiente em tempos pré-internet. O nível de transpiração era altíssimo e, neste sentido, eu devo tirar o chapéu: Maria da Graça Xuxa Meneghel conquistou sua fama e fortuna a partir de muito trabalho. Essa é a parte mais positiva do documentário, que vai em vários momentos  ter suas desnecessárias doses de sentimentalismo gratuito. 

Quem gosta dela, creio que continuará gostando. No meu caso, apesar de um evidente talento e carisma muito bem aproveitados pela mídia, ela continua sendo um dos grandes fatores que nos levaram a incalculáveis prejuízos culturais, como já citei aqui no blog, mas isso é outro assunto.

Senti falta da polêmica do pacto com o coisa-ruim, do disco rodado ao contrário.  Mais uma vez o jornalismo falhou.


Balão Mágico - Star

Por último, o documentário do Star sobre a inesquecível Turma do Balão Mágico, as quatro celebridades mirins que precederam a Xuxa como artistas infantis na Rede Globo. Esse sim um documentário que revela como os anos 80 eram, na definição de Raul Seixas, uma "charrete que perdeu o condutor".  

Os quatro integrantes se reuniram, numa espécie de mesa redonda analítica e  também foram interpelados individualmente, assim como familiares, empresários, produtores, gente da mídia.  O ponto negativo ficou por conta de Lázaro Ramos e Rodrigo Fagundes, que tentaram a todo custo impor aspectos identitários ao programa. Cai nessa quem quer.

É de grande destaque,  no caso do Balão Mágico,  a maravilhosa distinção de personalidades das crianças. Eram de um colorido artístico incrível, que juntava uma menina de circo, do tipo engraçadinha, um filho de taxista, tímido, escolhido por ser afinado, mas também por ser bonito, tinha os olhos verdes. Depois chega o filho de um famoso criminoso inglês que veio gastar o dinheiro do assalto no Rio de Janeiro e se encontrou com a malandragem, e a cereja do bolo, o talentosíssimo filho de um dos maiores artistas  brasileiros.  

Quatro crianças que brincavam enquanto a máquina de moer almas do show business brasileiro rodava e ia deixando pelo caminho muitas mágoas e traumas, mas que o dinheiro e a fama certamente ajudaram a dar uma amenizada. Afinal de contas, existem artistas que passam por coisa muito pior, mas que não ganham nada com isso. 

Bom pra nós, que vimos e ouvimos a Turma do Balão Mágico, compramos o disquinho que vinha o cheque da Caixa e o carrossel, e estamos até agora procurando a faca que vinha dentro do boneco do Fofão.

 

Recado ao Leitor 

Agradeço aos leitores os acessos, apesar do hiato atual na produção, e informo que em breve esse espaço será descontinuado e os textos serão publicados em plataforma própria. Teremos mais novidades chegando, livros e tudo mais que for necessário.  E aqui você tem acesso ao conteúdo do Programa Segundas Intenções, da Rádio Plena, que vai ao ar toda segunda-feira, 08 horas.

Obrigado a todos e sejam livres.


A.J.