No Desfile das Escolas De Samba do Rio de Janeiro, a tragédia vira apenas mais uma alegoria.
foto: Tomaz Silva Agência Brasil |
Sempre achei o Carnaval meio estranho. Em especial o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A festa popular de quatro dias em plena agitação tem aqueles ares estranhos de festas pagãs de filmes, onde não poderia faltar um sacrifício humano, defloração de virgens e algo assim. O apelo do feriado sempre foi mais interessante.
Já festejei o Carnaval, acreditem. Roqueiros desengonçados
em meio à multidão atrás de trios elétricos com músicas duvidosas. Cenas lamentáveis,
mas arrependimentos tardios não surtem efeito. Os carnavais que frequentei não merecem
relato, não sou Sergio Moro, mas gosto da minha biografia. As testemunhas oculares
que levem aquelas cenas para o túmulo.
A festa no Rio de Janeiro tem nas suas bases o sustento de milhares de pessoas, e na sua realização a projeção de subpersonalidades da sociedade. Até aí nada a ponderar. Muito trabalho envolvido, muito dinheiro e um apelo cultural, determinado pelo talento dos carnavalescos.
Tirando esse aspecto industrial, o Carnaval continua sendo o
que sempre foi: só uma festa. Assim como o futebol continua sendo só futebol.
As milhares de tentativas de elevar o status destas
popularices fúteis para algo realmente importante para a sociedade funciona
para quem gosta, compra e dedica seu tempo a elas. Sua importância, mesmo cultural,
é secundária tal como o próprio rock com seus festivais, o sertanejo e tudo o
mais. Festa é festa, simples assim.
A vida não tem roteiro.
Mesmo em festas as coisas podem não se sair bem. É de bom tom que quando
algo desagradável aconteça numa festa ela seja, no mínimo, interrompida para
tratar de determinada situação. Vamos imaginar: todos na festa estão vivos, por
analogia simples, podem morrer a qualquer momento. Se alguém morre em uma
festa, ela acaba. No mundo em que cresci era assim.
Pois bem, o que torna o desfile das Escolas de Samba especial
neste aspecto? É que o desfile pode continuar mesmo sobre o cadáver de umamenina de 11 anos. Não houve sequer menção à interrupção, ou pelo menos que a
escola responsável pelo carro alegórico onde aconteceu o acidente não desfilasse.
A máquina da indústria cultural não pode parar.
Alguns distraídos vão se manifestar dizendo que a “tragédia
é a base da Arte”. Uma tentativa de se comparar às nobres artes Clássicas. Até
concordo, mas tragédias inspirarem Arte é uma coisa, já uma suposta arte gerar
uma tragédia é outra. A Arte no Brasil
ficou para trás há algum tempo. Carnaval é oportunismo para pautas identitárias
sem noção e mensagens políticas. O resto é brilho, plumas e a divisão do
dinheiro entre os pobres que trabalham e os endinheirados que o financiam e
produzem.
Raquel Antunes da Silva agonizou enquanto subcelebridades
brincavam na avenida, certamente rebolando em cima do carro alegórico que a
matou.
Por esse ângulo, os Carnavais que frequentei não eram assim
tão despudorados.
Sejam Livres.