Eros: imagm do site demonstre.com |
O amor está no ar. Eros: o catalisador das tragédias clássicas, é também o estopim do feminicídio, uma desgraça constante nas relações contemporâneas.
É difícil evitar
comentar a onda de histórias de amor que a mídia nos fornece o
tempo todo. Sim, o amor está no ar, com suas facetas mais
surpreendentes, e os coraçõezinhos flutuantes estão em todos os
lugares, onde você olha, há amor, nos jornais, na televisão, na
internet, no cinema, e em especial, no jornalismo policial.
Coraçõezinhos Flutuantes
O tal amor, Eros,
e seus coraçõezinhos flutuantes é o catalisador inconsequente das
mais diversas situações. Quando encontramos os cadáveres de Romeu
e Julieta, tomados por uma paixão adolescente poética e proibida,
dificilmente colocamos a culpa em Eros. Preferimos colocar esse peso
na rivalidade das famílias Montechio e Capuleto. Se a razão
predominasse nas mentes apaixonadas, os dois provavelmente não
cederiam aos impulsos eróticos, e com isso, talvez tal história nem
existisse, pois não faria sentido algum uma tragédia romântica sem
romance.
Ausência de Razão
A ausência de razão
talvez seja o maior problema que vejo neste cenário caótico de
histórias bizarras, porém comuns, que presenciamos ou assistimos
todos os dias nos noticiários. Casos de crimes passionais estão
cada vez mais em destaque na mídia. Parte disso função dos
crescentes movimentos que reivindicam mais proteção às mulheres,
com as conquistas da Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio e outras
que ainda virão.
Uma sociedade menos
machista e misógina é o anseio de boa parte da população há
muitos anos. A cultura comportamental dos homens passa por uma quase
obrigatória readequação, em consequência da presença feminina,
principalmente no mercado do trabalho. A noção de igualdade, no
entanto, não encontrou terreno fértil na moral de muitos
homens, que persistem nos arquétipos de força e superioridade,
muitas vezes passados de geração em geração.
Machos Alfa
O impacto da
internet na disseminação de um comportamento igualitário pode ser
um dos grandes causadores do choque cultural que o machista foi
obrigado a engolir. Gerações inteiras de mulheres já nasceram bem
informadas a respeito dos seus direitos e com uma outra cultura,
longe do complexo de Cinderela. As mudanças que a sociedade sofreu
com a Era da Informação, a predominância de ideologias libertárias
em movimentos culturais, políticos e acadêmicos tornaram o mundo
quase que insuportável para os machos-alfa. A ideia do homem líder,
caçador e macho dominante é hoje um segredo sujo que corre
sorrateiro pelos corredores da vida.
Macho-Alfa: Imagem do site www.basic.com.br |
Mas o homem moderno
sempre foi, além de macho-alfa, um conquistador. Não nos faltam
exemplos de Dons Juans na história recente, e histórias românticas
nos são despejadas o tempo todo. Por mais que exista o tipo “homem
raiz” , este, para que suas conquistas amorosas funcionem, precisa
do romantismo midiático para por em prática seus planos de
conquista. E por mais que se transforme em um Richard Gere no início,
a convivência com uma mulher que frustra e contradiz sua dominação
vai converter esse romance em tragédia.
Paixões Que Matam
A semelhança das
histórias de crime passional e feminicídio chega a ser tediosa. Uma crise de
ciúme, uma traição real ou virtual, o sentimento de posse sobre a
parceira. Pare um pouco de ler esse texto e faça uma pesquisa breve
no Google sobre feminicídio na sua região e verá que nas últimas
24 horas haverá um caso parecido com isso: ex-marido ou ex-namorado
matou sua ex-companheira, por não aceitar o fim do relacionamento. O
romantismo exacerbado continua sendo o problema. Algumas pessoas não tem a capacidade mais básica de lidar com o tal amor que “tem razões que a própria razão
desconhece”.
A falta de
autocontrole emocional não é um problema exclusivo do sexo
masculino, mas no pico das emoções a força acaba prevalecendo em
prejuízo das ex-companheiras. Presídios estão lotados de histórias
românticas e absurdas, contabilizando prejuízos sociais
incalculáveis pelo simples fato de que o romance não saiu como nas
belas histórias de contos de fada, ou porque a fidelidade não era
um fator presente. Eros não tem limites e suas consequências
desastrosas podem sim, levar à morte. Eros é um poderoso remédio
contra a solidão, porém é contra-indicado para quem tem a cabeça
fraca.
O Mercado e o Comportamento Social
A publicidade, a
mídia, o mercado e as artes são aliadas incontestáveis de Eros.
Ele é mostrado como o ideal de sobrevivência da grande massa, em
peças românticas e carregadas de sentimentalismo, cujo objetivo, às vezes oculto, de sempre vender alguma coisa. De margarina ao café, do xampu à lingerie, toda a publicidade está envolvida com Eros,
sempre conseguindo êxito no convencimento inicial de que tudo pode
ficar sempre bem no seu romance ideal, desde que consuma os produtos
certos. Até os bancos, principais canais do caos financeiro global, são românticos.
Os feminicidas são movidos, num
último rompante de raiva, pelo afeto que só Eros é capaz de
promover, um afeto ciumento e possessivo, disfarçado de conto de fadas, que se transforma em uma ação violenta. Bon Jovi já cantou
que o amor é uma doença social. E por este raciocínio quase
insano, os corações flutuantes levam à arte aos limites dos
sentimentos. É verdade que há muitas hipérboles na música, quando
se trata de uma canção romântica. Mas num país que nada lê e dificilmente entende o pouco que lê, não há muito o que se esperar de homens
que mal conseguem separar as figuras de linguagem para compor uma
realidade de bom senso. E eis que me pego citando Sidney Magal, cantando "Se Te Agarro Com Outro Te Mato", numa
relação de mal gosto com meu próprio texto. Mas o texto é meu e
eu o mato quando quiser. Magal não tem culpa.
Imagem : Sindicato dos Bancários de Catanduva |
Enquanto você, raro visitante deste blog, lê esse despretensioso artigo, certamente muitas mulheres
brasileiras estão sendo vítimas dos machões de cozinha de plantão.
Na penumbra de lares mal formados por uma constante carência
afetiva alimentada pela falta de razão predominante, os machos
crescem em raiva e tamanho, partido para cima das suas vítimas,
muitas vezes diante de crianças atônitas, ou, pior, acostumadas. O
romance tórrido, digno de literatura barata, acabará numa tragédia
anunciada, diante dos olhares de vizinhos espantados com as viaturas
policiais e câmeras de programas policiais sensacionalistas. Por
trás deste cenário tétrico, Eros é apenas o vulto que escapa
furtivo para promover mais um romance qualquer por aí. A defesa do
futuro réu deve preparar suas frases de efeito para diante do juiz
implorar a piedade da justiça cega, alegando que “matou porque era
um romântico incorrigível”.
Eros também deveria ser
preso.