A Carruagem da História partiu. E levou Elizabeth II.

 A simpática senhora de colar de pérolas é uma presença ilustre e familiar nas minhas andanças pela vida.


her Majesty the Queen

Na adolescência, uma das minhas catarses artísticas foi ao som de Anarchy In The U.K, do Sex Pistols. Acordes simples somados aos esganiçados vocais da banda punk inglesa que gritava  ao mundo que detestava a monarquia, seus ritos, suas leis e tudo mais.  Iron Maiden também não perdia tempo em alfinetar o sistema. Aos meus ouvidos perturbados por hormônios isso tudo era uma orquestra. 


Depois que a poeira baixou, foi fácil entender porque Elizabeth II e a Monarquia eram alvos destes contestadores gratuitos: eles eram simplesmente maravilhados por elas. E a contestação vendia discos, bottons e camisetas, porque a verdadeira rebeldia, lá no fundo,  esconde o propósito capitalista de uma vida burguesa e confortável. 

Algum tempo depois, era chegada a hora da banda Crossroads, resultado da tal catarse artística, fazer seu último show em Curitiba.  Escolhemos uma data histórica, era 31 de agosto de 1997, e o DJ do Arcadas do Rock anunciou o falecimento da princesa Diana.  É constrangedor assumir,  mas dentro do bar, houve um certo regozijo com o fato.  O desprezo pela Monarquia tinha ali uma noite de vitória, uma dança sem sentido sobre dois cadáveres que certamente eram desafetos da Família Real, mas para nós não importava. Reis, rainhas e princesas não passavam de algo medieval e distante de qualquer realidade possível. 

Jovens e rebeldes, acreditávamos em várias coisas. Alguns acreditavam até em uma sociedade alternativa, a la Raul Seixas.  Não era o meu caso, com todo respeito, Raul não me convencia. Eu apenas seguia com uma intrigante dúvida a respeito de convicções que eram gritadas por jovens bêbados aos quatro ventos, com guitarras distorcidas, gelo seco, álcool, drogas e roupas pretas.  No final, descobrimos que nenhum de nós tinha plena convicção de nada, pois o jovem não dispõe deste predicado. Convicções são opressoras demais.

O longevo reinado de Elizabeth II está longe de ser um conto de fadas. Mas se há algo que invejo, é o senso de ordem da comunidade Monárquica. Uma ordem que não conhecemos por aqui, pois a República nos tirou essa chance em 1889, quando escravagistas de carteirinha despacharam a Família Imperial em plena madrugada, mar adentro. Em 1993 houve por aqui um plebiscito mal explicado e a maioria dos ignorantes à época escolheu o presidencialismo.  Um mal-feito calculado para dar errado, como deu.  

Com a Internet, Elizabeth II se tornou ainda mais popular. Ao lado de Keith Richards e outros longevos ícones da cultura pop, ela se posiciona como uma elegante e constante anedota. Pra não dizer eterna.

Infelizmente a Internet também arrasta aqueles que ainda não se livraram dos hormônios embutidos no heavy metal, punk e psicodelismo.  Com a morte da rainha, pipocaram discursos sobre o apartheid na África, sobre as Malvinas, sobre como Diana era maltratada e outros.  O rebelde adolescente histórico, infelizmente não está mais nos bares escuros, agora ele tem uma poderosa arma de passar vergonha em suas mãos, o smartphone. Mas se algo que a Monarquia inglesa nos ensinou, é a não perder tempo tentando explicar o óbvio a quem o óbvio não se manifesta claramente.

Também surgem os inimigos da Monarquia, amigos da guilhotina,  aqueles que acham caro bancar a estrutura da Família Real, com seus castelos, propriedades e tudo mais. Na Inglaterra, pode-se até questionar o custo, mas não o benefício turístico de se ter um rito monárquico pra chamar de seu.  Eu trocaria bancar a família real, se eles toparem bancar o Congresso brasileiro. Quem perder no palitinho fica com o STF. 

Felizmente, não são todos assim. O fato é que os ingleses já tem outro soberano, os ritos fúnebres passarão e a vida seguirá no reino com a bela lembrança da rainha que conhecemos como “a que viu de tudo nessa vida”.  A despeito dos dramas desnecessários, Elizabeth manteve-se firme e é uma das últimas líderes autênticas do século XX a se despedir. Para nós, sobra a pobreza de termos presidentes, deputados e senadores.  

Em tempo: os verdadeiros artistas prestaram suas homenagens à Rainha, inclusive o Iron Maiden.

Boa sorte ao Rei.

Obrigado pelas leituras e  até a próxima!